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segunda-feira, dezembro 05, 2005

" O frio é a minha morada"

Algumas histórias que aqui vos deixo:

"O saco-cama é a salvação do homem, diz Alberto. O pecado, nem precisa de o dizer, está no vinho entornado no chão de pedra onde há--de dormir esta noite. Quando o vento puxa a água, conta, é o primeiro a molhar-se. Problemas com a justiça mostraram-lhe o caminho da rua. É um dos 930 sem-abrigo da cidade de Lisboa que têm o frio como morada certa.

Com uma camisola de gola alta, colete de lã e cachecol, Edmilton, 37 anos - menos um que Alberto -, está na rua há 60 dias. Nasceu e viveu em Minas Gerais, no Brasil, até "há quatro anos e sete meses", quando decidiu mudar de vida para melhor. O risco foi mal calculado e o emprego como cozinheiro e padeiro falhou quando mais precisava dele.
É um "homem de trabalho" e tem orgulho nisso "Há muita gente com defeitos na rua, mas também há muita gente boa." Quer ir para um centro de acolhimento de sem-abrigo, mas ainda não conseguiu "o ajuste dos horários" e vai dizendo que, por enquanto, "está tudo lotado". Responde que "só Deus sabe" como vai passar o Natal, mas garante que não o fará com o filho, que ficou no Brasil.

Na Avenida Almirante Reis, a história é outra "Bate tudo certo." Américo Rosário Santos, de 75 anos, pele estragada e barba suja, dorme sentado num caixote de papelão, com um cobertor a esconder a cara do frio. Não tem vergonha de nada, garante. E atira: "Não quero nada, tenho tudo o que quero porque só quero abrir os olhos todos os dias de manhã."
Vive "um dia, depois mais um dia, depois outro dia". Diz que não passa frio "O frio é que passa por mim." E é assim há 15 anos. O divórcio que podia ter sido pacífico não o foi e Américo ficou a dormir na rua. Resume: "Antes disso, fui empregado bancário no Banco Nacional Ultramarino, trabalhei numa empresa de transportes do Porto e na Câmara Municipal de Portimão. Depois, passei a ser eu."
Não tem dinheiro, mas, se tivesse, "comprava o hospital de Arroios para fazer o maior centro de abrigo do País". Assiste a agressões e assaltos na avenida, mas tem "as pernas estragadas" e não pode fazer nada. Reconhece de longe as pessoas que o ajudam, mas não entende o País "Como é que Portugal tem uma ideia tão simpática de si que não vê isto"

DN, 04/11/2005